Condições inadequadas do Presídio de Mariana violam a dignidade dos detentos durante anos

Por volta das duas da manhã de uma segunda-feira, 30 de janeiro de 2017, o centro da cidade de Mariana acordou com barulhos de tiros e bombas vindos da Rua 16 de Julho, onde está situada a penitenciária da cidade. Ao amanhecer, o trânsito na rua do presídio estava impedido por viaturas da polícia militar e do COPE (Comando de Operações Especiais). Os moradores da região ainda não tinham nenhuma informação sobre o ocorrido, e as famílias dos detentos esperavam preocupadas em frente aos muros do presídio.
Famílias esperando notícias (Foto: Jaqueline Ferreira)

Presos do regime fechado escaparam de suas celas na tentativa de fugir do presídio, mas não conseguiram quebrar o cadeado do portão principal, pois foram contidos pelos agentes penitenciários. Dois detentos do regime semiaberto afirmaram que a rebelião se deu pela falta de infraestrutura adequada, superlotação e desumanização dos detentos por parte dos agentes.
Carta dos albergados
Duas semanas antes da rebelião, uma carta assinada por 42 detentos do regime semiaberto foi enviada para a juíza de direito Criminal da Comarca de Mariana/MG, Drª Marcela Oliveira Decat de Moura. Os internos reivindicavam condições dignas para cumprimento das penas e a avaliação da possibilidade de conceder a alguns dos detentos o regime domiciliar.
A privação do sono e exposição a circunstâncias desumanas é revelada: “Em dias de chuva os colchões que ficam no chão molham devido a infiltrações na laje. A ventilação é insuficiente, principalmente com a superlotação, que aumenta o calor devido à temperatura dos corpos”, diz o texto da carta. Os detentos também registram sua indignação com a falta de espaço nas celas e reivindicam mudança: “Somos 42 (quarenta e dois) reeducandos recolhidos em um espaço apropriado para 18 (dezoito) pessoas, onde temos que dividir um colchão para dois reclusos".
Segundo a carta, a poluição sonora devido à localização do presídio impossibilita o descanso adequado para os presos que trabalham, e não há espaço para circulação interna.
Família divida
Alexandro Anicedo, 28, detento do regime fechado na penitenciária, sofreu consequências com o motim. Segundo sua esposa Jéssica Tomázia, 25, a notícia do incidente chegou a ela através de uma rede social, assim que as informações atingiram os veículos de comunicação. Os familiares dos detentos ficaram a mercê de especulações e impressões que obtinham à distância. Os relatos eram transmitidos pelos policiais, que formavam uma barreira física entre os que se juntavam na porta do presídio e os internos.
Alguns presidiários foram transferidos para cidades vizinhas depois do motim, e Alex, como é carinhosamente chamado por Jéssica, estava incluso. Após dois dias, a irmã de Jéssica conseguiu descobrir pela internet que o cunhado havia sido transferido para a cidade Governador Valadares. Ela conseguiu contatar uma agente penitenciária de Mariana, que avisou sobre a necessidade de fazer um cadastro em Governador Valadares para conseguir ver o marido. Ao chegar à cidade, não foram permitidas visitas. Através do cadastro, ela ainda poderia colocar créditos em um cartão, para que Alex pudesse utilizar um orelhão disponível e contactá-la. Jéssica ainda não conseguiu recurso financeiro para carregar o cartão. Sua esperança é a possibilidade de que ele consiga transferência para o regime semiaberto, por prestação de serviço a instituições.
Segundo a Jéssica, a rebelião era esperada. Ouvia muitas reclamações de seu marido e tinha poucas perspectivas de melhoras com o ingresso do novo diretor, aproximadamente dois meses antes da rebelião. Ela afirma: “A comida não era boa, ela era feita aqui perto de minha casa, no bairro Cabanas. Depois seguia para cidade de Ouro Preto e, o que sobrava vinha para Mariana. Daí eles tinham que colocar água para render, ela vinha passada e às vezes com larvas”.
A estudante de jornalismo Carmem Guimarães visitou a empresa que fornece comida para o Presídio de Mariana, localizada no Cabanas. Relatou que o ambiente de preparação do alimento era higiênico e a comida, gostosa. Entretanto, a comida feita lá não é encaminhada diretamente ao presídio de Mariana, podendo passar por alterações, como foi relatado por Jéssica.
Processo judicial
Em 03 de Junho de 2016 foi iniciado um inquérito Civil para averiguar irregularidades no Presídio Regional de Mariana. Após seis meses de apuração, foi determinado que a unidade é imprópria para a custódia dos presos. De acordo com o processo, foram constatados: superlotação; ausência de plano de segurança e prevenção contra incêndio e pânico; infraestrutura deficiente, com celas de dimensões inadequadas e insalubres; e localização ilegal no centro na cidade.
Fonte: Ação Civil Pública 0400.16.00055-2 – Fórum de Mariana Dr. Armando Pinto Monteiro

Em 2010 o município de Mariana afirmou que disponibilizaria área e recursos financeiros para a construção da Casa do Albergado, imóvel para realocação dos presos em regime semiaberto, visando diminuir a superlotação no presídio. O projeto, entretanto, não foi adiante.
Segundo o laudo técnico de 2016 do Corpo de Bombeiros, o presídio não possuía brigada de incêndio, mecanismos para impedir a propagação do fogo, hidrante público, iluminação, saídas e sinalização de emergência. Foram encontrados cinco extintores de incêndio vencidos e fiação elétrica exposta.
Fotos do laudo pericial da estrutura do imóvel:
Fiação exposta

Celas com paredes com início de perfuração

Outro aspecto apresentado pelo laudo é relativo à localização da unidade prisional. Situada no centro de Mariana, ao lado de um hotel e com fundos para um estacionamento, próxima aos principais pontos turísticos da cidade, coloca em risco a população marianense e os turistas. Além disso, está em área de tombamento, o que prejudica o aspecto histórico do conjunto arquitetônico.
(Foto: Sofia Fuscaldi)

(Fonte: Google Maps)

O processo judicial do dia 30 de janeiro de 2017 propõe a realização das seguintes mudanças:
