Uma busca pelos caminhos da acessibilidade nas ladeiras da cidade-monumento
Uma cidade de topografia acidentada, com ladeiras íngremes, becos estreitos e calçamentos históricos irregulares, Ouro Preto oferece dificuldades para a locomoção e acesso das pessoas com deficiência física e mobilidade reduzida.
Este obstáculo origina-se em parte pela rigidez imposta pelas leis de preservação de patrimônio, que, na maioria das vezes, não oportunizam transformações, modificações e construções nas estruturas físicas dos edifícios e dos acessos a eles.
Declarada Monumento Nacional em 1933, por Getúlio Vargas e tombada pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1938, a cidade tem pouca flexibilidade para alterações urbanísticas. Em 1980 Ouro Preto se tornou o primeiro Patrimônio Cultural da Humanidade brasileiro reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), mas a visibilidade internacional custa caro para as pessoas com dificuldade locomotora.
Agravados por um sistema de transporte público pouco adaptado às necessidades de pessoas portadoras de deficiência, as limitações arquitetônicas crescem. Os ambientes não contam com elevadores, rampas, pisos táteis, sistema audiovisual e recursos de acessibilidade.
A situação de quase reclusão das pessoas com mobilidade reduzida em Ouro Preto preocupa.
“Adaptamo-nos às condições estruturais da cidade ao invés dela ser adaptada às nossas condições”
Marcos Fernando, 59, nasceu com um problema no cérebro que atingiu integralmente sua parte motora. Cadeirante, ele sai sozinho por toda Ouro Preto. Vendo que a cidade que tanto ama não é adaptada para suas condições, foi ele quem teve que se adaptar para não ficar recluso da vida social, como acontece com muitos moradores que são portadores de necessidades específicas.
Sendo uma pessoa independente desde criança, sempre teve que lutar muito para realizar seus sonhos. Um deles era cursar o 1º e 2º grau em uma escola da cidade. “Com meus 22 anos, tive que “brigar” para estudar. Foi difícil, pois eu não contava com o apoio dos professores e nem dos meus colegas de classe, mas eu consegui me formar e ainda cursar os primeiros períodos dos cursos de turismo e artes cênicas na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop)”.
Apesar de conseguir sair com sua cadeira de rodas, ele afirma: “infelizmente Ouro Preto não é uma cidade acessível para deficientes. Quando saio de casa não consigo entrar em alguns monumentos históricos ou comércios da cidade por não terem rampas ou elevadores”.
Marcos também fundou a Associação Comunitária dos Deficientes de Ouro Preto juntamente ao falecido ex-vereador Carlos Esteve, que também era cadeirante.
Fátima Simone (Foto: Franciele Maria)

Fátima Simone Elias Parma, 33, descobriu aos 19 que estava com um tumor no joelho direito. Para tratar a doença ela fez quimioterapia de 21 em 21 dias, por 4 meses, no Hospital Luxemburgo em Belo Horizonte. Logo após o tratamento ela teve que passar por uma cirurgia na qual amputou a perna. Desde a amputação, ela usa muletas.
Fátima, apesar das dificuldades, ainda consegue sair com as suas muletas por Ouro Preto, lugar onde nasceu e mora desde pequena. Como Marcos, ela afirma que a cidade não é acessível e por isso teve que se adaptar. “Por ter passeios desnivelados e com buracos, muitas vezes sou obrigada a passar na rua que também não apresenta um bom calçamento, e por isso já escorreguei e cai por diversas vezes. Minha muleta fica presa nos buracos entre as pedras”.
Zélia Correia (Foto: Franciele Maria)

Zélia Correia da Mata, 51, sofreu um acidente em 1990. A moto em que ela estava como passageira foi atingida por um carro guiado por assaltantes. Na batida, foi arremessada longe junto com o condutor.
Com uma grave lesão na perna direita ela foi socorrida e encaminhada para um hospital que na época não tinha recursos ou médicos. Isso acabou a prejudicando e deixando uma sequela.
Hoje Zélia ela só tem o movimento parcial da perna direita, por isso tem dificuldade em usar o transporte público, ir a lugares onde há escadas e até mesmo para andar pelas ruas.
Formada em Filosofia pela Ufop, conta: “tive dificuldade em assistir os primeiros semestres de aula, porque a sala ficava no andar de cima e tinha muitas escadas e nenhum elevador, por isso não conseguia subir”. Zélia acredita que: “a maior dificuldade dos deficientes é a cidade ser tombada pelo patrimônio”.
Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência
A lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI- 13.146/15) considera a pessoa como portadora de necessidades específicas “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.”
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, Habitação e Cidadania e a Associação Comunitária dos Deficientes de Ouro Preto (ACODOP) seriam responsáveis por essa inclusão. Procuradas pela reportagem, as instituições afirmaram não ter nenhum cadastro de dados referente ao número de deficientes físicos que residem na cidade.
O IPHAN possui um caderno intitulado: “Mobilidade e Acessibilidade Urbana em Centros Históricos”, cuja organização foi feita por Sandra Bernardes Ribeiro. Segundo Jurema de Souza Machado, presidenta do IPHAN, “A difusão de soluções de acessibilidade, oferecida por este Caderno, contribui para tornar permanente o compromisso de nossas instituições para com a democratização do espaço urbano, representada pela inclusão de todos em um ambiente seguro, confortável e rico em oportunidades de conhecimento e fruição”. Ouro Preto é uma das cidades contempladas com esse projeto. Na página 73, é apresentado o diagnóstico feito para a cidade e as soluções para os problemas de acessibilidade e mobilidade encontrados.
Várias propostas são apresentadas, entre elas: qualificação dos espaços e vias públicas; dotação de infraestrutura de transporte de pessoas e mercadorias por meio da implantação de planos inclinados, elevadores, escadas rolantes, com foco na acessibilidade, turismo e reapropriação social; implementação de sinalização vertical e horizontal, com máxima eficiência e mínima interferência no patrimônio cultural.
Planta das Propostas
Proposta de Melhoria Urbanística. Largo da Casas dos Contos
(Foto: George da Guia/Depam-Iphan(Simulação))

Proposta para Praça Tiradente
(Acervo Iphan)

Praça Tiradentes, 2012
(Foto: Acervo Iphan)

Praça Tiradentes, melhoria proposta
(Foto: Acervo Iphan)

Largo do pilar, 2012, simulação de melhoria
(Foto: Acervo Iphan)

Procurada para dar seu posicionamento sobre a questão de acessibilidade e sobre o Plano de Mobilidade e Acessibilidade para a cidade a Secretaria Municipal de Cultura e Patrimônio não quis se manifestar.
Norma técnica de Acessibilidade
Segundo a norma técnica de acessibilidade, que se encontra em vigor desde 2004, os projetos de adaptação de patrimônios públicos deverão obedecer às mesmas condições descritas para locais sem interesse histórico. Eles devem, porém, acatar também aos critérios específicos determinados pelos órgãos do patrimônio histórico e cultural competentes.
Mannuella Luz (Foto: Franciele Maria)

Para a Historiadora e professora do Departamento de Museologia da Ufop, Mannuella Luz de Oliveira Valinhas, o que deve prevalecer é a acessibilidade para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, tendo como norte também a preservação do patrimônio. Ela acredita que, numa cidade histórica, as alterações podem ser feitas respeitando o sentido do patrimônio, mas não cristalizando esses edifícios num passado intocável. Ela afirma: “Acredito que o patrimônio histórico faça parte do presente e sua importância deve ser dividida por toda a sociedade, sendo inclusive um grande motor de integração social e comunitária. Contudo, antes de propor uma solução que seja mais destrutiva em relação à edificação, deve-se atentar às possibilidades menos invasivas como elevadores externos e outros meios tecnológicos de modificações que causem menos alteração”.