Após mais de um ano desde o rompimento da barragem de Fundão, Mariana ainda sofre com a queda do turismo

Reprodução: Agliberto Lima | Revista Visões Urbanas
Primeira vila, primeira cidade planejada, primeira capital e primeiro bispado de Minas Gerais, Mariana foi tombada pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em 1945 como Monumento Nacional. A cidade está localizada na região central do estado, e tem suas origens marcadas no século XVII, mais precisamente no ano de 1696, quando uma grande quantidade de ouro foi descoberta às margens do rio batizado de Ribeirão do Carmo. Atualmente a extração do minério de ferro é a principal atividade industrial do município, seus distritos são famosos por desenvolverem diversas atividades agropecuárias, além do artesanato variado, expressando a diversidade cultural do estado. Cenário, também, de colonização e escravidão, a cidade ainda preserva relíquias e casarios coloniais, além de ser a terra natal de grandes nomes da cultura brasileira, como o pintor Manuel da Costa Ataíde e Frei Durão, autor de “Caramuru”.
Tudo isso faz da primaz de Minas um dos municípios mais importantes do Circuito do Ouro e parte integrante da Trilha dos Inconfidentes e do Circuito Estrada Real, além de ser peça importantíssima na história do estado e do país. Contudo, Mariana atualmente sofre com a desvalorização de sua cultura.
Como segunda maior fonte de arrecadação municipal, apesar de haver uma extensa diferença em relação à que provém da mineração, o turismo em Mariana é famoso pelos atrativos histórico-culturais, religiosos e naturais. Porém, após uma barragem de rejeitos de uma mineradora se romper, atingindo e destruindo diversos vilarejos e distritos de Mariana, moradores e comerciantes locais notaram a queda no fluxo turístico do local.
O desastre

Em 05 de novembro de 2015, uma barragem de rejeitos da mineradora Samarco, um empreendimento conjunto das maiores empresas de mineração do mundo, a brasileira Vale S.A. e a anglo-australiana BHP Billiton, se rompeu. Localizada a 35 km de Mariana, a barragem causou uma enxurrada de lama que inundou diversas localidades pertencentes à cidade.
O rompimento da barragem de Fundão é considerado o maior desastre socioambiental da história do Brasil. A lama chegou ao Rio Doce, cuja bacia hidrográfica engloba 230 municípios dos estados Espírito Santo e Minas Gerais, muitos dos quais abastecem sua população com a água do rio. A localidade mais atingida pelo rompimento, o distrito de Bento Rodrigues, foi quase completamente inundado e destruído pela lama. Uma agravante da situação foi que o empreendimento, o distrito e as demais comunidades vizinhas à barragem não possuíam um plano de contingência nem rotas de fuga que permitissem aos moradores um deslocamento seguro.

Bento Rodrigues (Reprodução: Site BHAZ)
O rompimento desabrigou 236 famílias de Bento Rodrigues, 108 de Paracatu e 8 de Gesteira, localidades também pertencentes à Mariana. Deixou 19 mortos, incluindo uma criança de 5 anos. A economia e o abastecimento de água de diversas cidades dos estados atingidos também foram prejudicados.
O turismo “lama abaixo”
Segundo Lívia Castro, coordenadora de turismo de Mariana, a informação sobre a queda do fluxo turístico da cidade foi confirmada após um levantamento realizado pela Fundação Renova, uma instituição que tem por missão conduzir programas de reparação das regiões impactadas pelo desastre. Lívia diz que a diminuição de visitantes não se deve somente ao rompimento da barragem. “Eu acredito que a queda do fluxo turístico não tenha se dado única e exclusivamente pelo rompimento. Nós estávamos em um período de crise política e econômica, além das obras do Pac, iniciadas e não concluídas”, ressaltou a coordenadora.
Ruínas de Bento (Foto: Ana Laura Rangel)
Além da restauração arquitetônica da Catedral da Sé, estão em andamento pelo Programa de Aceleração do Crescimento as restaurações da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e da Igreja de São Francisco de Assis. O Pac é um projeto do Governo Federal que assegura, por meio de investimentos junto às prefeituras, a preservação do patrimônio cultural brasileiro, promovendo a cultura e o desenvolvimento econômico e social. De acordo com o site, o projeto atua em 44 cidades de 20 estados brasileiros.

Lívia conta que a situação ficou temporariamente irreversível devido aos noticiários que precederam à tragédia. “Quando saiu na mídia, quem não conhecia a região pensou que o centro histórico havia sido atingido. Isso não é verdade. Todos os nossos atrativos continuaram abertos à visitação”, esclarece. Apesar de todos os desafios que vêm sendo enfrentados, durante os meses de dezembro de 2016 e janeiro de 2017, considerados como alta temporada na cidade, ela afirma que foi registrada uma melhora no fluxo, tanto nos monumentos históricos, quanto no comércio local. A coordenadora finaliza defendendo que a Prefeitura de Mariana, por meio da Secretaria de Cultura, Turismo e Patrimônio, não tem medido esforços para acabar com os boatos e resgatar o turismo, dentro das possibilidades financeiras do município, por meio de publicidade e integrações nas associações de turismo e cultura do estado, visando o fluxo regional.
Catedral da Sé (foto: Márcia Ventura)
Segundo Tane Chiriboga, presidente da Mariana Tur (associação que representa os hotéis e restaurantes da cidade), o setor hoteleiro é um dos mais afetados. “O forte de Mariana era o turismo de negócios. Durante a semana, nossos hotéis sempre ficaram mais cheios que no fim de semana. Com a tragédia, o fluxo na cidade se reduziu. Vinham pra cá muitos funcionários de empreiteiras e muita gente prestar serviço para a Samarco e a Vale”. A presidente conta, ainda, que em alguns feriados como Carnaval, Semana Santa e no Festival de Inverno, foram registradas boas taxas de ocupação, mas, ainda assim, menores do que anteriormente. “Nos feriados festivos também caiu o movimento porque os eventos foram menores, já que a Samarco não pôde patrocinar como de costume”, lamenta.
Novas receitas
A presidente da Mariana Tur defendeu a volta da Samarco, que teve suas atividades paralisadas após a tragédia. Para ela, é única forma de retomar o desenvolvimento da cidade enquanto não há novas alternativas. “Nós vemos muita gente falando mal da Samarco, mas ela sempre ajudou muito a cidade. Se ela não voltar, estamos perdidos”. A opinião de Tane contrasta com outra frase dita por ela: “Tem que ter outra fonte de renda, investir em outro tipo de turismo ou atrair alguma indústria de outro ramo. A mineração um dia acaba”, conclui.
Anualmente são realizadas pesquisas, patrocinadas pela Secretaria de Turismo de Minas Gerais, que buscam entender – a partir do ponto de vista de turistas – quais os problemas enfrentados por quem visita as cidades históricas. Contudo, é importante ressaltar que muitas das respostas obtidas em tais pesquisas não fazem jus à realidade.
Liumah Oliveira, pesquisadora na Qualitest, empresa contratada pelo Estado, especializada em pesquisas de opinião e de mercado, conta que a maioria dos turistas de Mariana foram previamente entrevistados em Ouro Preto e nem sempre estão dispostos a colaborar. “Muita gente não entende de pesquisa ou fica com preguiça de avaliar e dão notas positivas ao que precisa ser melhorado, como a sinalização e a limpeza, por exemplo. As informações turísticas são muito precárias e não há pessoas preparadas para receber ou informar”, declara.