Número de ocorrências criminais cresce na Primaz de Minas
Letícia, 20 anos, estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), sofreu um assalto à mão armada no bairro São Gonçalo, às 9 da manhã, enquanto saía com uma amiga para procurar fontes para uma reportagem. Tânia, 40 anos, teve o retrovisor da motocicleta de seu esposo furtado, pela terceira vez, dentro da garagem da própria casa, na rua do Catete, no Centro da cidade. Rodrigo, 23 anos, estudante de Letras, teve o celular roubado em um assalto, às 22 horas, enquanto saía do campus do Instituto de Ciências Humanas e Sociais (ICHS), localizado no centro histórico de Mariana. Esse tem sido o panorama relatado por moradores da cidade que, com o passar dos anos, têm sentido insegurança diante do aumento das ocorrências de delitos e do descaso das autoridades locais.
Aumento de ocorrências de crimes em Mariana
A turistas e curiosos, a cidade de Mariana sempre pareceu pacata e com baixos índices de criminalidade. Contudo, com o passar dos anos e com o aumento do contingente populacional*, os registros de ocorrências criminais na cidade cresceram gradativamente, de acordo com a Guarda Civil Municipal da cidade.
Segundo o Secretário Adjunto da Secretaria Municipal de Defesa Social e Civil, da Guarda Municipal (GM) de Mariana, Alisson José dos Santos, por volta do ano de 2008, com a chegada da mineradora Samarco à região, a demanda populacional cresceu e o município passou a sofrer com a falta de recurso e verba necessários para que a segurança pública pudesse acompanhar o aumento do número de habitantes. Para ele, a GM precisaria de, pelo menos, mais 50 guardas para atender à necessidade da região. Alisson José ressalta, ainda, que houve uma intensificação no número de crimes na cidade com o passar dos anos, mas diz que os roubos na região central diminuíram após a instalação da central de monitoramento da GM no Terminal Turístico. Apesar disso, relata que houve a intensificação em roubos contra transeuntes (celulares e bolsas, em sua maioria), uso e tráfico de drogas e tentativas de homicídio.
A equipe de reportagem solicitou os dados numéricos específicos de aumento dos crimes à Polícia Militar, passou pelas etapas do procedimento para a liberação destes, mas até o fechamento desta matéria, não obteve resposta das autoridades responsáveis.
*(59.343 habitantes, população atual estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE)
Viaturas da Guarda Civil Municipal próximas ao Terminal Turístico. (Foto: Carolina Carvalho)

Em contrapartida, Giovanni Mendes, Capitão da Polícia Militar (PM) da cidade, acredita que o policiamento existente é suficiente para suprir as necessidades dos moradores de Mariana. Segundo ele, nos dois últimos anos a PM marianense, que antes possuía apenas 5 automóveis policiais, contou com reforços de mais 7 viaturas que auxiliam no controle da ordem.
Para Sara Martins de Araújo, professora do curso de Serviço Social da Ufop, e pesquisadora do tema criminalização da pobreza e controle social punitivo, os crimes contra o patrimônio possuem relação direta com a crise econômica e social pela qual o país e a cidade têm passado. Ela afirma que, sem emprego ou com condições precárias de trabalho, os sujeitos vão buscar estratégias de sobrevivência na ilegalidade, “Enquanto houver desigualdade social, miséria, relações de trabalho precarizadas, haverá crime”.
Policiamento e vigilância noturna
Apesar de haver policiamento na parte do dia, as noites nas ruas do centro histórico de Mariana são “desertas” e despertam medo nos moradores da cidade. A Rua Direita, a Praça da Sé e a Rua Frei Durão (Rua dos Bancos) são exemplos de locais onde, na parte do dia, é perceptível a presença de guardas municipais e policiais militares, contudo, esses mesmos locais, encontram-se sem vigilância no turno da noite.
Rua Direita (Mariana – MG), na parte da noite. (Foto: Carolina Carvalho)

Rua Frei Durão (Rua dos Bancos, Mariana – MG) (Foto: Carolina Carvalho)

O Capitão Giovanni Mendes explica que, durante a noite, a PM trabalha com duas vertentes: as emergências, nas quais o cidadão aciona o 190 e faz uma denúncia, e a outra vertente que, segundo ele, é foco principal, que é o aspecto preventivo. Esta última conta com blitz, rondas e abordagens a suspeitos. Ainda segundo Giovanni, eles trabalham de acordo com a demanda de denúncias dos moradores. “As operações são feitas com base em denúncias, reclamações e solicitações da comunidade. Nós vamos montando os quadros de operações com base nessas informações.” conclui o Capitão.
A professora de serviço social Sara Martins de Araújo acredita que os relatos de aumento de delitos e a sensação de vulnerabilidade da população marianense sejam motivados por diversos fatores. “As pessoas às vezes afirmam um possível aumento da criminalidade a partir de um sentimento de insegurança. Sentimento que pode ser originado por diversos fatores, inclusive pelo pouco policiamento, estrutura precária, como falta ou pouca iluminação pública. Ou mesmo por uma mídia sensacionalista e manipuladora” esclarece.
Praça da Sé (Mariana – MG). (Foto: Carolina Carvalho)

Para além do Centro e centro histórico de Mariana, os bairros mais afastados também sofrem com a falta de policiamento noturno. Antônio Vinícius, de 21 anos, morador do bairro Colina, conta que lá a presença policial é rara. O Secretário da Guarda Civil Municipal, Alisson José dos Santos, explica que a maior parte das denúncias de ocorrência vem da região central e por isso, segundo ele, há reforço da vigilância no local. Ele conta que a GM trabalha com uma escala de 24 horas, ou seja, há monitoramento integral nos turnos da manhã, tarde e noite. “A média é de 25 guardas por turno. A noite trabalhamos com a central de monitoramento (localizada no terminal turístico) e temos uma viatura que fica dando apoio. Essa viatura atende mais denúncias de “perturbação do sossego”. Aos finais de semana o número de guardas é reduzido pela metade.” conclui. Ainda que os moradores se queixem de insegurança e incidentes nesses dias, o secretário garante que o número de guardas atende à demanda da cidade.
Ação policial na Praça Gomes Freire (Jardim de Mariana)
Ponto turístico e local de encontro de estudantes da Ufop e de marianenses, a Praça Gomes Freire, conhecida como Jardim de Mariana, diferente da maioria dos bairros periféricos da cidade, conta com ronda policial fixa e reforço na segurança aos finais de semana. A praça é localizada na rua Dom Viçoso, no centro histórico da cidade, e possui estabelecimentos comerciais como lojas de artesanato, bares, restaurantes, lanchonetes e sorveterias.
Ronda policial na Praça Gomes Freire. (Foto: Carolina Carvalho)

Giovana Sacramento, proprietária do Espaço Vida Saudável, localizado no Jardim, conta que no bairro Rosário, onde mora com a família, o policiamento não é fortalecido como na praça. “Na entrada do Rosário, beira linha do trem, é um foco enorme de roubo, sempre acontece, e até hoje não tem nenhuma ronda ou ação da guarda ou da polícia por ali, então só aumenta.” ressaltou. Giovana e outros comerciantes do Jardim, entrevistados pela nossa equipe, afirmam sentirem-se mais seguros com a presença das viaturas policiais na praça. “Enquanto estamos aqui, na parte do dia, é como se a gente protegesse o nosso estabelecimento, mas a partir da hora que a gente vai embora, fica nas mãos de Deus e deles (policiais). Temos que confiar.” disse Giovana.
Rúbia de Abreu, da panificadora trigal, próxima ao Jardim, contou que seu comércio foi assaltado diversas vezes e que, só no final do ano de 2014, o estabelecimento sofreu 3 assaltos num intervalo de 45 dias. Rúbia disse que a constante presença policial no Jardim não se estende ao restante do centro histórico e que se sente insegura depois de tantos incidentes com a panificadora, que acabou por encerrar as atividades durante a realização da reportagem.
Em entrevista, o secretário da GM relatou que as operações concentradas nesse ponto específico da cidade tiveram início a partir de reclamações de comerciantes e moradores. “Após ligações, começamos a fazer essas operações em conjunto com a Polícia Militar.” explica.
Entretanto, frequentadores do lugar afirmam já terem presenciado ou sofrido algum tipo de abordagem seletiva por parte de policiais militares e denunciam algo que caracterizaram como “ação truculenta e racista”.
Na tarde de domingo, 16 de outubro de 2016, Daniel, 34, Vitória, 19, e Guilherme, 22, todos estudantes da Ufop, saíram para se divertir na Praça Gomes Freire, em Mariana, um dos únicos locais de recreação gratuita na cidade. Como é comum nos finais de semana, o local estava lotado. Ele e os dois amigos foram questionar a forma violenta com que os PMs agiam contra um jovem que, segundo ele, estava sendo abordado por suspeita de tráfico de drogas. Por conta disso, Vitória foi agredida com golpes de cassetete por um policial masculino. Segundo Daniel, ela não foi a única mulher agredida por policiais homens naquela noite. Em seguida, Daniel e Guilherme começaram um “tumulto” para evitar que ela sofresse uma nova agressão. A partir de então começou um momento de “violência generalizada”: garrafas arremessadas pelos estudantes e agressões indiscriminadas por parte dos policiais (inclusive às mulheres presentes).
Os jovens saíram da praça após o ocorrido. No caminho, enquanto corria para casa, um policial seguiu e conseguiu alcançar Daniel de motocicleta, já com reforço da Guarda Municipal de Mariana. Daniel foi agredido fisicamente, e com spray de pimenta quando já estava imobilizado, depois foi algemado e detido. Guilherme, ao questionar essa ação, também foi levado para a delegacia após o policial alegar que estava “cansado de ver sua cara”. Ao chegar na Praça Gomes Freire, Vitória, ao ver que os amigos estavam sendo levados pela viatura da PM, questionou o motivo da ação dos policiais, por isso, também foi detida e colocada numa outra viatura, sem a presença de nenhuma policial feminina. Eles passaram a noite na delegacia. Vitória, mulher branca, Guilherme e Daniel, homens negros, permaneceram por horas na delegacia de Ouro Preto. Eles foram acusados por incitação de tumulto e agressão de PM. Daniel foi o único, entre todos os detidos, a permanecer algemado a noite toda.
Quando questionado sobre o critério das abordagens nessas operações, Alisson José dos Santos, da Guarda Municipal, disse: “Há aquelas pessoas que já sabemos que são suspeitas, que já conhecemos do dia-a-dia.”, ainda assim, ele garante que as abordagens são feitas aleatoriamente, sem quaisquer critérios.
Na página do Facebook da Guarda Municipal de Mariana, é possível encontrar imagens de algumas abordagens feitas por eles no Jardim. Nas imagens, é perceptível que grande parte dos jovens abordados são negros, assim como os jovens que Daniel, Vitória e Guilherme foram defender na noite de 16 de outubro.
Imagens retiradas do Facebook da Guarda Municipal de Mariana.


No dia 20 de outubro de 2016, foi convocada pela Câmara Municipal de Mariana, a pedido de comerciantes e moradores das áreas próximas à praça, uma audiência pública, que visava discutir o lazer e a segurança no local. Raquel Sato, membro do Coletivo Negro Braima Mané, compareceu à assembleia e conta: “O que ficou parecendo é que a audiência era só para dar um aval para implantar ações já pensadas antes, como o aumento no corpo policial, armamento da guarda municipal e possíveis operações policiais”. Ela conta, ainda, que o Coletivo Negro e o grupo Nossa Mariana defenderam o lazer cultural e educacional como forma de solucionar o problema apresentado. Raquel, e outros membros do Coletivo também chamaram a atenção para a questão racial. “Os jovens que mais levam enquadros e são hostilizados são os pretos periféricos”, completa. Para ele, é uma política elitista e de embranquecimento, feita para expulsar a população negra do local.